Tudo começou quando o departamento de Recursos Humanos, de uma corporação multinacional, quis gastar parte do orçamento que ainda tinha, com um treinamento motivacional. De uma em uma semana, na quinta e sexta-feira, um departamento da empresa iria passar pelo tal treinamento, em um salão de eventos no centro da cidade, onde ouviriam um filósofo falar sobre o que diversos estudiosos falaram sobre motivação, e vivenciariam experiências fora do cotidiano. A intenção dos colaboradores do RH era motivar os colaboradores da empresa, já que uma pesquisa de clima organizacional tinha demonstrado que uma taxa alta de colaboradores não gostava de responder questionários e desenhavam caralhinhos voadores nos mesmos. O que os funcionários do RH não tinham pensado era em como ouvir o que diversos cretinos falaram sobre motivação e imitar leões na selva iria aumentar a motivação dos funcionários em suas tarefas maçantes do dia-a-dia.
Mesmo assim, daquele enorme desperdício de tempo, nasceu uma terrível beleza.
O filosófo contratado pelo RH, para ter uma diarréia verbal sobre assuntos irrelevantes para o dia-a-dia dos funcionários, começou a falar sobre o existencialismo de Sartre. Sendo ateu, Sartre, dizia que o homem era seu próprio projeto, uma vez que sua existência precedia sua essência. O filósofo explicou para os funcionários que o homem existe, mas diferente das demais coisas, não tem um projeto a priori; diferente das demais coisas, que são seres-em-si, o homem é um ser-para-si, devido à consciência. O homem não possui um projeto pré-definido, um desígnio, uma função, um significado, um sentido, um objetivo, um propósito; ele mesmo tem que encontrar um propósito para si mesmo. O homem que tem que projetar sua vida. Sartre defendia que o homem era livre, não sofrendo determinismos, e que quando ele encara essa liberade, sente angústia (muito parecido com a náusea de Camus) e muitas vezes, se refugia em algum projeto de vida pré-definido, fingindo não ser livre, uma atitude denominada pelo autor como má-fé. Infelizmente para o resto do mundo, o filósofo do treinamento motivacional não falou sobre essa última parte, pois tinha que falar ainda sobre a hierarquia de necessidades de Maslow e o fluxo de Csíkszentmihályi.
Ao terminar o treinamento motivacional, e durante o final de semana inteiro, um colaborador do departamento de marketing ficou pensando sobre a falta de essência humana, sobre a falta do projeto pré-definido, e teve uma brilhante idéia: projetar e comercializar planos de vida. Assim como haviam planos de telefonia móvel, planos de seguro de vida, planos de saúde, planos dentários, planos de viagem, pacotes de opções pré-definidas as quais os consumidores tem apenas que escolher, poderiam existir planos de vida.
Na segunda-feira, fez uma reunião depois do almoço com o resto da equipe. Parte do restante da equipe estava com sono e parte fingiu se empolgar com a idéia, para acabar logo com a reunião e poder voltar a ver vídeos no youtube. Depois disso, o colaborador teve uma reunião com a diretoria média da empresa, que gostou da idéia e viu potencial para explorá-la comercialmente. A empresa seria pioneira no ramo de planos de vida.
Na próxima semana, chamaram publicitários, psicólogos, antropólogos, economistas, e estatísticos para criarem as especificações: quantos planos de vida a empresa teria, como seriam estes planos de vida, como seriam compostos estes planos de vida e demais detalhes. Definiram que seriam 12 planos de vida, baseados em arquétipos junguianos e calculados a partir das medidas de tendência central das distribuições de frequência de práticas culturais no mundo globalizado e segmentado por classe econômica. Os publicitários criaram o slogan: "porque quebrar a cabeça escolhendo, se alguém já escolheu pra você?".
Logo que o serviço foi lançado, foi um sucesso. A má-fé prevaleceu, Sartre virou no túmulo desapontado, e encoxado por Nietzsche.
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