quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Crise da Porra

Não seria acurado, ou mesmo preciso, dizer que foi um período de transição. Foi repentino. Foi tudo de uma hora para outra. De repente, as pessoas acordaram e viram o mundo-virado-de-cabeça-pra-baixo. Se bem que poderia se dizer que houve pequenas grandes fases até se chegar lá.

Primeiro, os hospitais ficaram lotados. Ninguém sabia do que se tratava, nem como tratar tal anomalia que aos poucos foi se transformando na norma. Depois de alguns dias, diversos especialistas divulgaram suas descobertas na mídia e todos chegaram ao consenso. Os governos de quase todos os países tiveram que dar um pronunciamento oficial: os homens não podiam mais ejacular. Não por decreto ou por razões morais, mas de repente, todos os homens perderam a capacidade de ejacular. Podiam gozar ainda, como menininhos de 11 anos, mas não eram mais capazes de, como diz a bíblia, "desperdiçar sua semente no chão" ou até mesmo de plantar as sementes como o sagrado livro recomenda. De uma hora pra outra, seja por causas divinas, sobrenaturais ou mudanças climáticas, o homem perdeu a capacidade de ejacular. Esse marco na história da humanidade foi chamado pelos jornais como a "Crise da Porra". Alguns falavam de "tempos de seca".

Seguindo os eventos iniciais, as ações dos bancos de esperma tiveram uma disparada, mas logo após, houve saques, tumultos, algumas mortes e os donos dos bancos de esperma voltaram a ficar pobres, pois a propriedade havia sido lesada. O governo tentou intervir, mas chegou tarde demais. Por regulamentação da associação oficial, as produtoras pornô decidiram que nenhuma cena de seus filmes poderia terminar com o procedimento operacional padrão da gozada na cara. As pessoas podiam trepar ainda, e no início treparam ainda mais, como em desespero, como se fosse a última vez. De fato, agora era a oportunidade para muitos homens fazerem o que sempre haviam visto em filmes pornô de antigamente e fantasiado, mas que muitos, por sentimentos de nojo e repulsa de suas parceiras, não podiam realizar: gozar na cara. Agora, eles podiam gozar na cara delas com satisfação, afinal não saía nada de seus pênis, nenhum líquido pegajoso estranho. As mulheres, de início, também ficaram mais satisfeitas por não ter de se limparem após o ato e nem precisarem usar nenhum método anticoncepcional. Mas depois de um tempo, os ânimos de ambos os gêneros se acalmaram, até chegar em um estado de desamparo e apatia coletiva. Todos podiam sentir um fio suspenso na altura da garganta; não era mais subtexto, estava grifado e em negrito: a humanidade estava fadada à extinção.

Porém, o diabo branco sempre consegue inventar alguma forma de foder outras pessoas, mesmo que não consiga terminar com uma jatada na cara. As maiores empresas dos países mais ricos do mundo deram fortunas para os cientistas mais inteligentes determinarem qual era a causa dessa infelicidade e descobrir alguma forma de revertê-la. Ou mesmo se não revertê-la, ao menos descobrir uma forma que a humanidade pudesse se reproduzir, ainda que não fosse possível fazer o homem ejacular. Alguns pensaram em mitose e meiose. Outros fizeram experimentos tentando fecundar mulheres com porra de diversos animais. Outros, no entanto, ouviram notícias mais promissoras: o petróleo havia sido convertido em porra humana. A esperança, que estava brochada, se pôs de pé novamente. Os tempos da seca haviam chegado ao fim.

Começou então toda uma nova civilização, mas muito parecida com a antiga. Os países mais ricos invadiam outros países para explorar seus recursos naturais. O povaréu organizava protestos com placas onde lia-se "No war for cum". Os mais ricos podiam comprar mais porra do que os mais pobres, e assim dar continuidade ao darwinismo social. A política se posicionou como "esquerda" e "direita" da porra. Os economistas se diziam a favor da porra livre, enquanto ativistas políticos denunciavam o protecionismo do Estado em relação à porra. Alguns entraram no tráfico da porra. Os socialistas lutavam por uma distribuição mais igualitária da porra. Os niilistas lutavam pelo fim da porra toda. Todo o resto que você pode imaginar (e sim, se você chegou até aqui, vai ter que imaginar a extração de porra do solo iraquiano) é consequência direta da crise da porra.

(como é que o mundo-virado-de-cabeça-pra-baixo sempre acaba se endireitando?)

3 comentários:

  1. Lembrei destes, ao ler sobre "a distribuição mais igualitária da porra" toda.

    Texto: http://resistir.info/brecht/tubaroes_homens.html
    Audio: http://www.youtube.com/watch?v=mb8WQR7G9Xs

    Mas isso, só se homens fossem tubarões...

    ResponderExcluir